quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Explosão de equívocos e fraudes em estudos publicados deixam a ciência em xeque

Feto de camundongo gerado a partir de células-tronco
supostamente criadas  por meio da aplicação de
 simples estresses físicos e químicos em células
 adultas:  - Haruko Obokata
RIO - Observação e formulação de hipótese, realização de testes e experimentos, compilação e interpretação dos resultados, construção de teoria, redação de artigo, análise dos pares, publicação em um periódico reconhecido e replicação. Um breve resumo do método científico moderno mostra o rigor que as pesquisas devem seguir. Mesmo assim, a expansão da pesquisa veio acompanhada de uma explosão no número de estudos retirados da literatura, seja por erros sistemáticos ou de modelagem, má conduta ou mesmo má-fé, formada pela infame trinca plágio, manipulação e fraude. Um levantamento da revista “Nature” mostrou que, só na primeira década deste século, o índice de anúncios dos temidos retracts, palavra em inglês que define o envio dos artigos para o esquecimento dos anais da ciência, multiplicou-se por dez, muito acima da alta de 44% na produção científica.
Para além de apenas manchar ou destruir reputações, os casos de fraude são os que mais preocupam os especialistas por colocar em risco o próprio futuro da ciência, tanto pela má distribuição dos já limitados recursos investidos em pesquisas quanto por minar a confiança da sociedade nos seus cientistas, o que pode se traduzir em ainda menos investimentos.

Dois casos rumorosos recentes

Só nas últimas semanas, dois casos voltaram a chamar a atenção do público para a questão. Em um deles, a empresa Sage Publications, responsável pela edição do periódico “Journal of Vibration and Control”, anunciou a remoção de nada menos que 60 artigos ligados ao pesquisador formosino Chen-Yuan Chen publicados nos últimos quatro anos. Chen é acusado de montar um esquema de citações e revisões no qual criou falsos cientistas e assumiu a identidade de outros existentes de forma que ele próprio acabou por analisar e sancionar seus artigos para publicação.

Já no início de julho, a própria “Nature” informou a retirada de dois artigos que havia publicado só cinco meses antes. Divulgados com estardalhaço no fim de janeiro, os estudos afirmavam que era possível forçar células adultas a regredirem ao estágio de células-tronco, capazes de se transformar em praticamente qualquer tecido ou órgão do corpo, usando apenas estresses físicos e químicos, como tratá-las com uma solução ácida, algo que só era possível por meio de delicadas e complexas manipulações genéticas.

Realmente, a descoberta era muito boa para ser verdade. Logo após a publicação, começaram a surgir dúvidas sobre métodos e resultados, que nenhum laboratório conseguiu replicar. Líder das pesquisas, a jovem cientista Haruko Obokata, do Centro Riken para Biologia do Desenvolvimento, no Japão, acabou condenada por má conduta pela instituição, que agora vê seu próprio futuro em xeque, com ameaças de corte de recursos e no número de pesquisadores. Com um detalhe: foi justamente no Riken que o japonês Shynia Yamanaka, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2012, descobriu, em 2006, o método para transformar células adultas em células-tronco, dispensando o polêmico uso de embriões nas pesquisas na área.

Com isso, Chen e Obokata se juntam a uma nada invejável lista de cientistas marcados pela fraude, que tem nomes como o do sul-coreano Hwang Woo-Suk e o do inglês Andrew Wakefield. Elevado à categoria de herói nacional após anunciar em dois artigos publicados em 2004 e 2005 na também prestigiada revistas “Science” o sucesso na clonagem de células-tronco embrionárias humanas, o que permitiria ao menos reduzir o polêmico uso de embriões nas pesquisas, o sul-coreano caiu em desgraça em 2006, quando se demonstrou que seus resultados eram falsos. Wakefield, por sua vez, encabeçou a lista de autores de um estudo publicado em 1998 na revista “Lancet”, uma das mais reconhecidas na área de medicina, que associou a vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) a casos de autismo em crianças e está por trás dos movimentos antivacinação responsáveis pelo aparecimento, nos últimos anos, de surtos das doenças em países onde elas estavam praticamente erradicadas. Investigações posteriores mostraram que Wakefield tinha sérios conflitos de interesse quando da realização do estudo e falsificou resultados para atendê-los, mas o artigo só foi retirado pela “Lancet” em 2010.

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— É verdade que hoje se publicam mais artigos do que nunca, mas o número de remoções está crescendo a um ritmo muito maior, então a explicação para o fenômeno não está aí — diz Adam Marcus, editor-executivo dos periódicos “Gastroenterology & Endoscopy News” e “Anesthesiology News” e um dos criadores do blog “Retraction Watch”, que acompanha esses casos. — Uma explicação menos provável é que mais cientistas estão se engajando em más condutas. Já a mais provável é que, graças a tecnologias de informação como a internet, os estudos estão sob escrutínio maior. Outro problema é a tremenda pressão para publicação, especialmente nas revistas mais prestigiadas, a fim de conseguir bolsas e financiamento. Isso pode levar os cientistas a se apressarem, pegar atalhos ou cometer fraudes.

CNPq cria diretrizes para o problema

Diante disso, os próprios cientistas e as agências de fomento buscam soluções. No Brasil, em 2011 o CNPq criou uma comissão de integridade científica e baixou uma série de 21 diretrizes para enfrentar o problema, que incluem desde recomendações óbvias como não copiar o trabalho alheio a indicar que autores deverão ser responsabilizados no caso de fraudes.

— Mesmo sabendo que, em termos proporcionais, a incidência das retiradas é pequena (menos de 1% dos mais de 1,4 milhão de artigos científicos publicados anualmente acabam sendo alvo de correções ou remoções), seu número é suficientemente grande para afetar a confiança do público na ciência e no financiamento de projetos, e por isso temos de ficar muito atentos — analisa Paulo Beirão, diretor de Cooperação Institucional do CNPq que chefiou a comissão até o ano passado. — É preciso um cuidado sistemático e agir agora, antes que o problema cresça ainda mais e fique difícil de controlar. O CNPq, por exemplo, passou a adotar procedimentos de avaliação de pesquisadores e projetos que não dependem mais só do número de publicações, mas muito mais de sua qualidade.

fonte;Por Cesar Baima - O globo

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