segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Morte de homem negro desencadeia reflexão sobre racismo nos EUA

Numa carta que enviou para sua irmã da cela na prisão, o agressor disse que se comprometeu com Jesus e alertou a irmã para ficar longe de problemas.

Ninguém contesta que James Craig Anderson, um pai de família negro de meia idade com um senso de humor rápido e um estilo requintado, foi roubado, apanhou e depois foi atropelado por um grupo de adolescentes brancos num estacionamento de motel no início de uma manhã de junho.

Mas à medida que o caso se constrói – as acusações contra os jovens acusados de dirigir a pick-up Ford que atingiu Anderson foram elevadas para homicídio na sexta-feira, e o FBI está agora envolvido – questões significativas ainda precisam ser respondidas.

A morte de Anderson foi uma violência racial premeditada? Um ato indicativo de uma profunda divisão cultural?

Ou o comportamento de Daryl Dedmon, o adolescente magro e loiro que poderá enfrentar a pena de morte, simplesmente uma anomalia causada pela raiva, álcool e estupidez adolescente, como sugerem algumas pessoas familiares com o caso?

Além dessas questões, muitos aqui estão se perguntando se a morte de Anderson desencadeará uma discussão mais profunda sobre as relações de raça num estado que lutou poderosamente para ir além do seu passado.

“O racismo sempre fez parte do estilo de vida no Mississippi de uma forma ou de outra”, disse Timothy Summers, 68, médico de Jackson cujo pai iniciou o primeiro serviço de poupança e empréstimo para negros no Mississippi nos anos 50.

“Ainda existe esse componente da nossa cultura que gosta muito de se prender às coisas que ficaram no passado”, disse ele. “Esse grupo, entretanto, não representa a maior parte das pessoas que são boas e honestas, mas talvez muito ingênuas, talvez muito quietas, muito complacentes ao olhar para o racismo.”

Embora morassem a apenas 40 quilômetros de distância um do outro e frequentassem a igreja aos domingos, Anderson, 48, e Dedmon, 19, não poderiam levar vidas mais diferentes.

Dedmon gostava de suas aulas na escola agrícola, mas não tanto quanto gostava de sair com amigos e ir para um restaurante drive-in no condado de maioria branca em que vive, dizem os amigos. Ele era o piadista num grupo para o qual a música country, versos da Bíblia, a cerveja Bud Light e picapes servem como marcas culturais.

Anderson era um bom cozinheiro de culinária tradicional, um jardineiro prendado e sempre genial, diz sua família. Ele gostava de seu emprego na linha de montagem de uma fábrica da Nissan ao norte de Jackson, onde trabalhou por cerca de sete anos.

“Se você o conhecesse, a primeira coisa que veria era o seu grande sorriso de piano”, disse sua irmã mais velha, Barbara Anderson Young.
Ele fazia questão de cuidar de idosos e crianças e estava ajudando seu parceiro há 17 anos, James Bradfield, a cuidar de uma parente de quatro anos de quem Bradfield tinha a guarda legal. Ele cantava como tenor no coral da Primeira Igreja Batista Missionária de Hyde Park e era tão bom “que fazia você cair”, diz Bradfield, 44.

E se um amigo ou parente não estivesse vestido bem o suficiente para um evento, ele arranjava uma roupa melhor para a pessoa.
Ninguém tem certeza do motivo pelo qual Anderson estava no estacionamento do Metro Inn às 5h da manhã de 26 de junho. Ele pode ter ido a uma festa, disse Bradfield. Ele estava do lado de seu carro quando dois automóveis cheios de adolescentes saíram da rodovia interestadual, de acordo com os promotores, que citaram um vídeo da câmera de segurança do motel e depoimentos de testemunhas.

Familiares disseram que ele pode ter perdido as chaves, que não foram devolvidas para eles.

O vídeo mostra alguns dos adolescentes andando dos seus carros para o de Anderson e voltando algumas vezes. Ele foi espancado várias vezes e roubado, disse o promotor. Itens como um telefone celular, um anel e sua carteira foram levados, de acordo com entrevistas com familiares.

Então, um carro foi embora. Mas uma picape F-250 – dirigida por Dedmon, disse o promotor – saiu do estacionamento e atropelou Anderson enquanto ele cambaleava num canto do estacionamento. A acusação de assassinato contra Dedmon foi elevada para homicídio depois que o promotor público Robert Shuler Smith de Hinds County disse que tinha provas de que Dedmon havia roubado Anderson.
Por que os adolescentes atravessaram o Rio Pearl até aquela parte de Jackson é o cerne da questão, que será apresentada a um grande júri dentro de algumas semanas como um crime de motivação racial, diz Smith.

John Rice, 18, é a única outra pessoa acusada, e sua acusação é de agressão simples. Um advogado sugeriu numa audiência que os adolescentes estavam procurando cerveja. Smith e grupos de direitos civis acreditam que eles estavam procurando uma pessoa negra para agredir. Testemunhas disseram à polícia que um adolescente gritou “poder branco” e que Dedmon, usando uma insinuação racial, depois se vangloriou de ter batido em Anderson.

Morris Dees, fundador do Centro Southern Poverty Law, está trabalhando com a família e o advogado dela, Winston J. Thompson III. Dees diz que seu grupo estava investigando se alguns dos adolescentes envolvidos podem ter laços eventuais com uma gangue de tendências de supremacia branca. Smith está buscando uma abordagem mais cautelosa.

“Não acho que existam gangues agressivas por aí batendo em negros”, disse Smith. “Acho que por causa da estrutura política e econômica e da restruturação da sociedade, parece que algumas partes do país e o Mississippi sentem que sua cultura está sendo atacada.”

O reverendo Brian Richardson da Igreja Batista Castlewood em Brandon, Mississippi, que foi ao funeral de Anderson e ficou próximo da família, acredita que Dedmon é um produto de sua criação e de uma cultura que não faz o suficiente para impedir o bullying.

Numa entrevista em sua igreja numa parte bem cuidada do condado onde Dedmon foi criado, Richardson, que é branco, disse que Dedmon chamou seu filho, Jordon, 18, de nomes pejorativos para homossexual e zombou de sua amizade com alunos negros quando estavam na escola juntos.

Richardson disse que levantou o assunto com funcionários da escola e uma vez teve que lidar com a polícia quando Dedmon e alguns outros garotos entraram de carro na casa da família.

Os Richardson apontaram que embora o racismo não seja exclusividade do sul do país, um traço profundo de “nós e eles” ainda existe.

“Há um subgrupo que leva a coisa do garoto sulista a outro nível”, disse Jordan Richardson.

O advogado de Dedmon não respondeu aos pedidos de entrevista, mas amigos e familiares de alguns dos jovens envolvidos disseram que a morte foi um acidente.

No Sonic Drive-In em Rankin County, onde “pescoço vermelho” é um termo afetuoso entre os jovens brancos que frequentam o lugar à noite, os jovens não parecem ver a morte de Anderson como um crime de ódio. E eles dizem que não são racistas.

“Eles não sabem o quanto isso nos fere”, diz Shanna Brenemen, que frequenta a Brandon High School e era próxima de Dedmon.

Embora uma conversa com eles possa ser repleta de gírias raciais, eles dizem que tem amigos negros, enquanto batatas fritas e limonada chegam nos carros estacionados no drive-in. A forma como as pessoas os retratam é simplesmente errada, dizem.

“Nós somos apenas interioranos, e quem quer que venha aqui, nós recebemos bem”, disse a irmã mais nova de Dedmon, Tiffany, que será caloura da Brandon High School. “Toda essa coisa está ficando fora de proporção.”

Numa carta que enviou para ela de sua cela na prisão, Dedmon disse que se comprometeu com Jesus. Ele alertou a irmã para ficar longe de problemas.

“Se você quiser seguir a Bíblia para valer”, escreveu. “Eu não quero que você acabe assim. Eu achava que beber era divertido, mas veja onde fui parar. E escolha seus amigos com sabedoria, Tiff. Meus supostos amigos me colocaram aqui.”

Para os irmãos de Bradfield e Anderson, o caso é simplesmente um crime de ódio. Jackson, por sua vez, demorou para falar publicamente sobre o caso. O prefeito Harvey Johnson, que é negro, deu sua primeira declaração pública sobre o assunto na semana passada. Uma vigília pública foi feita em 14 de agosto.

Algumas centenas de pessoas marcharam de uma igreja próxima para o estacionamento do motel e colocaram uma coroa de flores num pedaço de gramado perto da sarjeta em que Anderson foi atropelado.

Talvez o interesse pelo caso tenha emudecido, pessoas próximas da família e da comunidade disseram, porque a família de Anderson demorou a se manifestar.

Embora a família tenha criado a Fundação James Craig Anderson para Tolerância Racial, ela quer se proteger do assédio da mídia e do oportunismo político que certamente viria de uma demanda violenta por justiça, diz Thompson, o advogado. A família de Anderson e outras se perguntam por que apenas dois dos sete adolescentes foram acusados. E talvez a questão mais dura de todas seja: será que o racismo é de fato tão óbvio numa cidade que trabalhou durante décadas para superá-lo?

“The Help”, um filme que explora as relações entre empregadas negras e seus patrões brancos nos anos 60, ficou lotado durante várias exibições no final de semana de sua estreia aqui.

Pessoas que saíam do cinema uma hora depois da vigília na semana passada disseram que embora Jackson tenha mudado de algumas formas, o racismo continua.

“Ele ainda está presente”, disse B.J. Quick, 50, um homem negro que viu o filme com sua namorada, que é branca. “Ele só não está mais sob a superfície.”

Fonte: The New York Times / Folha Gospel

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